CENTRÍFUGA

27.11.06

PALAVRAS

"O escritor escreve não porque saiba, mas para ficar sabendo" Fernando Sabino

Às vezes ficamos correndo tentando encontrar palavras que expressem o que temos que dizer. Outras vezes não corremos, não pensamos, simplesmente as espalhamos para que outros tantos possam entende-las, decifrá-las.
Às vezes dizemos muito, outras vezes nada. Mas o que deve ser dito? O que escrevemos tem de ter algum sentido? Temos que agradar alguém?
Palavras machucam, cansam, esgotam.
Palavras provocam, instigam, motivam.
No momento egoísta em que escrevemos, deixamos marcas dos momentos que estamos passando ou que gostaríamos de estar vivendo.
O ato de encontrar as palavras é o melhor tudo.
É o momento em que traçamos um destino, pois, ao se juntar com outras tantas palavras modificamos o que não havia antes. Criamos um impacto aos que se identificam e aos que se calam.
Encontrar palavras que expressem um pensamento é aprendizado, como disse Sabino. E assim ficamos sabendo o que e como fazer. Mas pecamos em pensar desta maneira.
Quem
disse
que
tem
que
ser
assim?
Palavras são livres.
Façamos como queremos
o importante
é
fazer!
Os provérbios chineses tem razão."Visão sem ação é sonho. Ação sem visão é pesadelo."
ÓSCULOS E AMPLEXOS PARA TODOS!

22.11.06

VIVER NÃO DÓI

Como todo bom internauta brasileiro que se preza, eu também mantenho um perfil no Orkut. Confesso até que há algumas comunidades criadas por mim (inclusive uma criada para a minha faceta DJ, por um amigo).

Na minha página inicial o que se vê, logo de cara (além da minha foto, claro), são dois textos. Um em inglês, que é a letra de uma música que muito significa para mim, chamada Compulsion, de autoria de Joe Crow. A versão que me conquistou é cantada por Martin Gore, que faz parte da banda inglesa Depeche Mode.

Em seguida vem um poema de Drummond, "Viver Não Dói". Esse poema diz como as coisas poderiam ou deveriam ser simples. Mostra como por vezes não encaramos a vida de forma correta. De como a vida é curta e como deveriamos nos ater prioritariamente ao viver, seja de que forma for. "Como aliviar a dor do que não foi vivido?"

Frequentemente uso as frases finais do poema como subtítulo no MSN. Elas dizem: "A dor é inevitável/O sofrimento é opcional". Várias pessoas ja chegaram para perguntar por que eu estava triste. E então eu expliquei que não sofro de tristeza. Enviei o poema para que não entendessem as frases fora do contexto.

Deixo esse poema aos leitores do Centrífuga, para uma reflexão. Até breve.

Viver Não Dói

Definitivo, como tudo o que é simples.
Nossa dor não advém das coisas vividas,
mas das coisas que foram sonhadas
e não se cumpriram.
Por que sofremos tanto por amor?

O certo seria a gente não sofrer,
apenas agradecer por termos conhecido
uma pessoa tão bacana,
que gerou em nós um sentimento intenso
e que nos fez companhia por um tempo razoável,
um tempo feliz.
Sofremos por quê?

Porque automaticamente esquecemos
o que foi desfrutado e passamos a sofrer
pelas nossas projeções irrealizadas,
por todas as cidades que gostaríamos
de ter conhecido ao lado do nosso amor
e não conhecemos,
por todos os filhos que
gostaríamos de ter tido junto e não tivemos,
por todos os shows e livros e silêncios
que gostaríamos de ter compartilhado,
e não compartilhamos.
Por todos os beijos cancelados,
pela eternidade.

Sofremos não porque
nosso trabalho é desgastante e paga pouco,
mas por todas as horas livres
que deixamos de ter para ir ao cinema,
para conversar com um amigo,
para nadar, para namorar.

Sofremos não porque nossa mãe
é impaciente conosco,
mas por todos os momentos em que
poderíamos estar confidenciando a ela
nossas mais profundas angústias
se ela estivesse interessada
em nos compreender.
Sofremos não porque nosso time perdeu,
mas pela euforia sufocada.

Sofremos não porque envelhecemos,
mas porque o futuro está sendo
confiscado de nós,
impedindo assim que mil aventuras
nos aconteçam,
todas aquelas com as quais sonhamos e
nunca chegamos a experimentar.
Como aliviar a dor do que não foi vivido?
A resposta é simples como um verso:
Se iludindo menos e vivendo mais!!

A cada dia que vivo,
mais me convenço de que o
desperdício da vida
está no amor que não damos,
nas forças que não usamos,
na prudência egoísta que nada arrisca,
e que, esquivando-se do sofrimento,
perdemos também a felicidade..

A dor é inevitável
O sofrimento é opcional.

Carlos Drummond de Andrade

Sergio Dourado

20.11.06

EXEMPLOS DE VIDA PARA NOSSA VIDA


Domingo, 19 de novembro. Saio de casa em passos preguiçosos para reunir-me com colegas da faculdade para um trabalho de Antropologia. Nossa missão, "observar e descrever."
Ao que parecia ser uma chatice num programa de Domingo, transformou-se em experiência de vida. Vida está que deixamos de observar nos seus detalhes, culpa de nossas sandices ou dos estressantes momentos de nossa vida ou até mesmo pela nossa arrogância em achar que precisamos mais do que temos.
Chegamos então, a Feirinha de Boa Viagem, local conhecido pelo artesanato e comidas tradicionais(doces, salgados) e também espaço aberto para apresentações artísticas de estrelas que não precisam de grandes estruturas para mostrarem seu talento.
Em meio as barracas, encontramos senhoras com mais de 70 anos servindo seus clientes com sorriso estampado no rosto e paciência para antender acadêmicos curiosos. Doces, salgados, bebidas, tudo parta contentar turistas e fregueses certos.
Tia do Acarajé
O Domingo que parecia ser algo que em seguida eu esqueceria, mudou meu pensamento quando conheci a Tia do Acarajé com mais de 30 anos de feira. Da Bahia para Pernambuco constituiu família e hoje recebe clientes fiéis que há 20 anos frequentam sua barraca. Outro exemplo é dona Querida que há 25 anos traz em seus quitutes todo o talento culinário. Sem falar da sempre gentil Evilázia, com 65 anos e disposição de dar inveja a qualquer um. E conheci tantas outras senhoras e senhores, jovens, numa atividade que passa de geração a geração.
A feira transformou-se, mas ao longo dos anos propicia o sustento para tantas famílias. Dignidade, alegria, humildade. Qualidades importantes que perdemos em meio as turbulências.
Voltando para casa, em passos lentos, vinham em minha memória, pessoas satisfazendo e saciando a fome nas obras de arte feitas por estas senhoras que para muitos nem interessam os seus nomes.Uma injusta relação entre criador e criatura.
Olhei para o mar e tive a certeza que meu pensamento inicial foi um equívoco da rotina diária. Nada como reservar um domingo e abandonar a Internet, os DVDs e a pipoca. Melhor é poder conhecer tanta gente , antes, "anônima" com histórias incríveis e ainda sim poder se deliciar com o melhor de tortas doces e salgadas. E assim foi possível observar e descrever de uma maneira mais agrádavel do que a priori havia pensado.
ÓSCULOS E AMPLEXOS PARA TODOS!

14.11.06

Texto da colaboradora Mariana Laurindo

Já perdi horas pensando qual seria efetivamente o sentido e a razão de existir atualmente do casamento.

Logo que me separei questionei, até mesmo, a instituição como um todo. Reneguei a possibilidade de se lograr êxito em uma entidade moldada em padrões arcaicos e em desuso, quando o “eu” era subjugado pelo bem da sociedade e da família, pela ética e moral vigente.

Como, num mundo subjetivista, egoísta, como o que se apresenta, as pessoas podem suportar a chamada “infelicidade”, mesmo que passageira?

Como não sucumbir aos apelos e tentações incessantes, não crer ser possível alcançar a alegria perpétua, o prazer fácil e isento de culpas e ressentimentos?

Deveria, certamente, haver uma alteração intrínseca dos valores em voga, para que se fizesse possível manter um casamento de maneira satisfatória.

Não estou aqui, por outro lado, execrando os que, como eu, consideraram que o seu casamento não traria a felicidade almejada e saíram dele, nem muito menos incentivando aos que mantém relacionamentos falidos a se suportarem a todos custo.

Sobre sentimento e relacionamento não existe regra, já que por mais semelhantes que pareçam, nenhuma história é igual à outra. Apenas tento expressar algumas conclusões iniciais que alcancei após muito pensar sobre a minha separação, e o excesso de separações com que nos deparamos.

O que questiono, aqui, são os valores impostos diuturnamente por uma sociedade que impõe aos indivíduos um vertiginoso parque de diversões como única forma de felicidade, e cobra dos mesmos uma carga excessiva de trabalho para sustentar tal “alegria fugas”, que finda por alienar a nós todos do verdadeiro sentido da vida.

Apenas ilustrando, para não parecer que eu enlouqueci demais a ponta de não me fazer compreender: um indivíduo de classe média, casado, pai, trabalha exaustivas 10 horas diárias, afora o trânsito caótico e as refeições rápidas e muito pouco saudáveis, o que lhe suga todas as energias. Este cidadão chega em casa exausto, mas mesmo assim, ante a necessidade de se demonstrar feliz e bem sucedido, costumeiramente enfrenta maratonas sociais noturnas, juntamente com a sua esposa que, de igual sorte, trabalhou mais do que podia, e ainda se encarregou das tarefas domésticas. Os filhos, nenhum dos dois tem tempo, energia ou paciência para eles. A vida lhes dá prazer? De forma alguma. Sentem-se como que carregando o mundo nas costas. Enxergam em tudo um fardo insuportável o que acaba minando qualquer sentimento bom que os uniu inicialmente. Surgem, então, envolvimento banais, irresponsáveis, despreocupados, sem cobranças. Enganam-se achando que o fardo é sua família e dela se afasta, buscando fugas que geralmente passam por bares, boates, jogos, amigos(as) de igual sorte solitários.

E o casamento? Apodrece e morre, como não poderia deixar de ser.

Há exceções? Claro que sim! Graças a Deus!

Há casais que jamais deveriam sequer ter se casado. Que não combinam nos gostos, não possuem afinidades, que passado o passional impulso inicial, descobrem-se estranhos e às vezes até inimigos, impedindo um relacionamento harmônico e duradouro.

Há ainda pessoas que, a despeito de todos os clamores externos, todas as pressões sociais deturpadas e tentações fúteis, possuem uma afinidade espiritual superior, diferente dos demais. Pessoas que trazem conforto mútuo e que entendem e distinguem quais valores e sentimentos devem ser buscados e preservados.

Em verdade, de descrente virei uma defensora do amor e do companheirismo, porque não dizer: do casamento!

Acho possível, e isso só com vivência e maturidade, duas pessoas reconhecerem-se certas uma para a outra e conseguirem alcançar uma vida estável e, porque não dizer, feliz!

Como disse, assim, o primeiro requisito inafastável para tanto é a maturidade de ambos. Pessoas imaturas ainda passarão por vários processos evolutivos, infindáveis em alguns casos, que fragilizarão o relacionamento. Ressalto, ainda, que maturidade emocional nada tem a ver com idade cronológica.

A pessoa madura é aquela que se conhece, que já viveu situações variadas, algumas extremas, e tirou delas lições de vida. Que sabe do que gosta, sabe o que quer, sabe o que tolera e conhece muito bem o que abomina.

Uma pessoa madura, mesmo apaixonada, não se casará com ágüem cujo comportamento ou hábitos detesta, pois reflete sobre os sentimentos antes de tomar decisões e atitudes a princípio definitivas.

Além da maturidade, não se pode deixar de considerar, também como requisito para um casamento, a paixão, esta por mim modestamente definida como a necessidade física, mental e constante do parceiro. Não se pode casar com alguém sem desejar, por um bom tempo, a sua companhia como algo essencial para a sua sobrevivência. Parecer exagerado? Eu sou exagerada!

A paixão aproximará dois entes maduros que, além disso, devem possuir ainda um terceiro requisito, devem ter afinidades e gostos em comum. A identidade absoluta é impossível e enfadonha, mas gostar das mesmas coisas possibilitará a convivência menos apaixonada, com o passar dos anos, e mais amorosa a cada dia.

E ainda tem mais. Para que um casamento prospere não basta o respeito mútuo. Respeito temos que ter até com um transeunte desconhecido. É preciso ter admiração pelo companheiro. Deve-se ver no seu par alguém com quem se pode aconselhar, em quem se espelhar e se apoiar, sempre que necessário.

Depois de requisitos aparentemente tão rigorosos, pode até parecer um dissenso eu ter afirmado acima ser uma defensora do casamento.

Não tenho a pretensão, contudo, de ditar regras rígidas ou imutáveis. Como disse, as enormes diferenças entre as personalidades e o caráter das pessoas, entre as intensidades dos sentimentos, sempre criarão infindáveis variáveis imprevisíveis. Apenas creio que os requisitos que imaginei acima, uma vez atendidos, mesmo que não todos completamente, aumentam em muito a chance de se ter um casamento realmente feliz, com a formação de uma família sólida e equilibrada.

Ao mesmo tempo, e finalmente, penso impossível, pelo menos o foi para mim, simplesmente passar a vida suportando situações desagradáveis ou meramente suportáveis. Nada justifica disperdiçar a vida sem amor. Nem mesmo os filhos, que não podem carregar o pesado fardo de serem responsáveis pela amargura ou desventuras de seus pais. Nem o dinheiro, seja pela sua escassez seja pela sua abundância, é justificativa para sustentar um status, um casamento.

Ninguém deve ser obrigado ou se sentir impelido a suportar situações vexatórias, desagradáveis ou até violentas. Ninguém pode simplesmente ver a vida passar pela janela sem efetivamente vive-la.

Parece que estou cometendo o último desatino e mais uma vez me desdizendo. Mas a verdade é que, atualmente, temos que considerar que a busca subjetiva da felicidade é uma realidade com que temos que conviver, talvez se regozijando disso. Mas temos que viver essa busca de maneira madura e apaixonada.

Bem, devo mesmo ser a rainha do dissenso.

Mariana Laurindo é advogada

11.11.06

As ARMAS DA IDEOLOGIA

Ultimamente o Centrifuga, através de seus blogueiros, Klever Schneider e Sérgio Dourado, trazem à tona discussões políticas, sociais, culturais. Com a participação de efetivos comentaristas, companheiros desta jornada cibernética, amadurecemos e crescemos em direção ao respeito da opinião do outro, numa relação sadia e vital para repensarmos até mesmos questões ideológicas. E é claro, não esqueçamos dos visitantes que lêem e não deixam suas marcas, mas certamente de alguma forma, pararam e refletiram sobre tudo o que postamos aqui. Hoje queria dividir um pouco com os colaboradores do Blog e com àqueles que fazem a leitura mas ainda não se sentiram à vontade ou com vontade de dividir um pouco o pensamento através das palavras.


A ideologia muitas vezes se instala através da Inversão, ou seja, coloca os efeitos no lugar das causas e transforma estas últimas em efeitos. Como por exemplo, a figura da mulher, tida pelo senso comum como um ser frágil e sensitivo, com o destino da maternidade. Coitada das mulheres que colocam suas metas profissionais em primeiro lugar!


Outro meio que a ideologia mostra suas garras é através do Imaginário Social. Representações, normas e valores são transmitidos gerações após gerações determinando como devemos nos comportar, agir, responder. Neste modelo, as angústias , os anseios, as admirações podem ficar escondidas. Diante da complexidade que é o ser humano, muitas relações são afetadas, o que este modelo que impõe regras não conseguiu garantir. Somos diferentes e pensamos diferente. E é claro que neste caso surgirão o grupo dos excluídos ou coitadinhos, mas, na maioria das vezes mais felizes dos que seguem a trilha de regrinhas elaboradas em outros tempos.


Mas a ideologia opera de uma outra forma, talvez, a pior delas, o Uso do Silêncio. Esconde-se temas das escolas porque segundo alguns ainda não é o momento certo de se falar ou tocar no assunto. Homossexualidade na escola, nem pensar, assim dizem algumas professorinhas ou “educadoras” mais recatadas. Instiga-se a competição, mas em seus julgamentos são injustos. A sociedade exige que homem deve casar com mulher e ter filhos, e assim a procriação contribuirá na força de trabalho num futuro próximo. Mas é bom pensarmos nas diferenças, importante que existam pais e filhos, mas também é bom que outra forma exista. Coitado de quem não corresponder ao grupo do papai e da mamãe. Afinal quem disse que todos nascemos para sermos pais e termos filhos?


Mas seguimos, as Armas da Ideologia estão muito bem entrelaçadas. Somos vítimas das religiões, do poderio econômico e de nós mesmos. O primeiro passo é a reflexão, o outro é a ação. Podemos amadurecer sim. Viva a oportunidade de trocarmos palavras e sentimentos no Centrifuga que comemora 9 meses no ar. Demos luz a um filho, pelo menos neste caso, diferente dos objetivos da reprodução humana. E seguimos em frente!

ÓSCULOS E AMPLEXOS PARA TODOS!

8.11.06

BRASIL & FUTURO

Brasil: o país do futuro. Essa frase permeou grande parte da História recente do nosso país. Mas esse futuro prometido chegou para todos? Alguns mais sarcásticos diriam que, como é “um país do futuro” as mudanças sociais necessárias nunca seriam conjugadas no presente, mas apenas no futuro. Imperfeito, diga-se de passagem. Pois mesmo os planos mais magnânimos elaborados pelos nossos líderes e governantes não são, nem de longe, aquilo que de fato será o melhor para a maioria do povo.

Há bolsa-isso, bolsa-aquilo, num afã assistencialista que equivale a um prato de sopa distribuído semanalmente a um grupo de mendigos famintos por atenção e cidadania. A importância de tais projetos que atacam os sintomas e ignoram as causas da doença é de um cunho eminentemente populista. E numa realidade social cruel como a que vivemos atualmente, ações desse tipo são ferramentas poderosas no intuito de mitificar personagens da política. O cunho é eleitoreiro, se pararmos para pensar.

Verdade seja dita, há méritos em alguns dos projetos sociais implementados pelo atual governo federal. Não deixam de ser uma forma de repartir a riqueza do país. Talvez uma tentativa (mesmo que pálida) de promover uma melhor distribuição de renda. Principalmente quando se atrelam a certos programas algumas contrapartidas, como por exemplo a obrigatoriedade de se colocar e manter as crianças na escola. O problema, em tal caso, reside na qualidade do ensino que é oferecido pelo Estado que, em muitos casos, deixa a desejar.

Nos Estados nordestinos os problemas que decorrem da má distribuição de renda são ainda mais drásticos. Uma cidade como Recife, por exemplo, experimenta índices de violência comparáveis a países em guerra. Os bolsões suburbanos já vivem, há muito tempo, em estado de sítio. Com direito a toque de recolher e tudo mais. Creio que seja apenas uma questão de tempo até que a região metropolitana do Recife se torne uma cidade dividida pela tensão e medo, como o Rio de Janeiro. A banalização da violência já se instalou na maior parte da população. Programas de rádio, TV e alguns periódicos locais estampam quão corriqueira é a violência urbana na capital do frevo e maracatu. A cultura do medo é amplamente utilizada para que a massa fique quieta, vivendo em pavor em suas prisões particulares, com as comodidades que cada um pode adquirir. Uns mais, outros menos. Quanto àqueles que existem abaixo da linha da pobreza só resta conviver desesperadamente com as mazelas causadas pela falta de ação política e social. Social também, na medida que a sociedade se cala ou se deixa subjugar diante dos fatos escabrosos do dia a dia. Quando as classes mais abastadas se escondem cada vez mais por trás dos vidros fumê dos seus carros populares com ar condicionado, ou no alto de seus prédios gradeados.

CLIQUE AQUICerta vez, uma amiga jornalista (e também minha professora) me contou que estava na França estudando, quando foi interpelada por alguns colegas jornalistas franceses que questionaram quais atitudes ela tomava, como profissional de comunicação, em relação ao problema dos meninos e meninas de rua em nosso país. Ela disse que aquilo foi equivalente a um tapa na cara. Deu-se conta de como a banalidade do assunto faz com que um tema tão grave como as nossas crianças que vivem na rua não seja considerado importante para toda uma sociedade. Preferimos não enxergar. E o que não enxergamos, não sentimos. O que não sentimos não nos interessa. E não há ação se não houver interesse.

Estamos perdendo a capacidade de nos colocar no lugar do próximo. Esquecemos que todas as pessoas, sejam de que raça, religião ou classe social forem, não deixam de ser nossos semelhantes. Nos acostumamos a eleger governantes que pensam de forma desassociada do pensamento popular, cujo vinculo se dá meramente em períodos de campanha. Irresponsavelmente e da boca para fora. Cabe cada vez mais à sociedade unir forças para manter os eleitos na linha e impor o que a maioria deseja como futuro do nosso país. Nosso futuro não pode ser construído à nossa revelia. Uma ação cidadã, responsável e incisiva ajudará, quem sabe, a mudar o que precisa ser mudado e manter uma bandeira fortemente fincada nos avanços conquistados com muita luta pelo povo brasileiro durante sua História.

Sergio Dourado

5.11.06

Dias Melhores


Devemos criar pactos lutando por uma sociedade mais digna. Mas como isso é possível na medida em que temos que competir o tempo todo? O que fazer para que isto não fique parecendo uma utopia? Pensemos. Cada um na sua individualidade, somando esforços num coletivo, alcançaria outros vôos, bem melhores do que sozinhos. Mesmo sabendo do capitalismo que devora, precisamos ter fé em algo, caso contrário desistimos de atingir metas ou mesmo de viver.

Quando compreendermos que nossas dores ou acertos são maiores ou menores do que o outro, caminharemos na direção de algo óbvio, não somos melhores que ninguém e precisamos sim, melhorarmos a nós mesmos. Isto quer dizer que precisamos sim do outro para buscarmos algo maior, a completude.


Crianças SEM Esperança!

Quando ando pelas ruas de Recife, percebo gente dormindo envolto em jornais e papelão, outros meninos cheirando cola intimidando assim o estômago. Mães com filhos nos braços, pequeninos vendendo balas nos sinais, artistas mirins que brincam com o fogo ou fazem piruetas na rua em troca de moedas ou de gestos negativos quando os vidros dos carros fecham-se completamente. Se analisarmos mais criticamente, estes meninos poderão ser os que levarão nossos relógios, celulares ou qualquer outro produto que a tecnologia vai inventar.

Aparentemente, isto parece um preconceito, uma premonição formada por um senso comum. Mas talvez, não seja assim. Educação é a palavra e o que vimos é algo bem deferente. Conselhos tutelares omissos, políticas públicas que não atendem às necessidades da população ou destas crianças que estão sem rumo ou sem perspectiva. Culpa justamente do pensamento egoísta, onde o umbigo vale mais do que estender a mão e garantir que as Crianças SEM
Esperança possam trocar de papel num futuro mais próximo.
Ósculos e Amplexos para todos!

2.11.06

DE MASI

“Eu estudo há quase 20 anos a criatividade e vi que não há lugar específico onde ela nasce. Os americanos tiveram a grande inteligência de atrair os criativos de todo o mundo, principalmente durante o facismo, o stalinismo e o nazismo. Milhares de intelectuais fugiram e a América os acolheu independentemente da ideologia, raça, sexo ou riqueza e lhes ofereceu os instrumentos e agora colhe os resultados disso tudo, pois é o país com o maior número de prêmios Nobel, maior número de laboratórios de pesquisa, bibliotecas, orquestras, teatros e um cinema extraordinário. Mas isso é fruto da acolhida que deu aos intelectuais.”
“...hoje os países se distinguem em três categorias: os que produzem idéias, os que produzem produtos e os que consomem. Os países dominantes produzem idéias, os países emergentes, como o Brasil, produzem bens materiais com base nas patentes elaboradas nos países potentes. E há aqueles países do terceiro mundo condenados a consumir. Hoje há mais supermercados nos países do terceiro mundo do que nos do primeiro mundo. O Brasil tem um número enorme de supermercados. Essa é uma coisa boa e ruim.”
“Um supermercado cria um emprego e destrói quatro. Esses quatro empregos estão nos pequenos negócios. Pequenos negócios na rua criam a civilização. Quando fecham esses pequenos negócios nas ruas chega a criminalidade.”
Trechos da entrevista do sociólogo Domenico De Masi no Programa Conexão Roberto D’Ávila, na TVE, em 08/07/1999.

Uma importante aquisição feita pelos americanos, desde meados do século passado, foi atrair para si um grande número de cientistas, pensadores e artistas do todas as partes do mundo. Porém o principal motivo de tal ação em larga escala, por parte dos yankees, se deu quase exclusivamente por conta dos interesses políticos e bélicos contidos nas experiências de tais ilustres e criativos imigrantes. Na verdade pouco interessava a ideologia, sexo, raça ou riqueza que possuíam tais intelectuais. Mas sim o que os mesmos tinham a oferecer ao “Tio Sam” como uma moeda de permuta.

Podemos facilmente compreender como os americanos chegaram tão rapidamente ao desenvolvimento da fissão nuclear. E como essa nova e criativa forma de produção de energia teve seu objetivo desviado primeiramente para uma formatação bélica, a fim de demonstrar uma superioridade estratégica diante dos inimigos dos aliados ocidentais.

Ressalte-se a esperteza dos americanos, em um momento de fartura econômica, que puderam se dar ao luxo de comprar a criatividade no mercado internacional de cérebros descontentes e perseguidos por suas pátrias. Porém, dessa ressalva, pouco há que ser comemorado pelo resto do mundo, que luta para adequar-se à globalização e ao capitalismo selvagem. Que empurra mercados emergentes a um segundo plano e produz guerras religiosas em nome do controle da produção de petróleo.

Se a quantidade de supermercados significa um termômetro tão eficaz para se identificar uma região emergente ou de “terceiro mundo”, como analisar o fato de que esses praticamente não existem em certos países do Oriente Médio? Talvez os escombros de alguns possam ser identificados ainda. Não creio que o desaparecimento de pequenos negócios e lojas de comércio esteja ligado diretamente com o aumento da criminalidade. Acredito que a falta de oportunidade que permeia a realidade de vários países seja a principal causa do aumento do crime e da violência. E isso ocorre nos países pobres e emergentes, tendo em vista suas lutas pela adequação às leis de mercado internacionais, impostas em grande parte pelo poderio econômico dos países centrais. E dentro dessa necessidade de participar do capitalismo globalizado, muitos países deixam de lado vários dos importantes aspectos sociais que precisam ser cuidados. Suas populações padecem da falta de oportunidade e dignidade.

A “civilização” não se limita à simples oportunidade de convivência entre as pessoas nas lojas e ruas. É, mais do que isso, uma demonstração social e política de que as pessoas são importantes e têm suas existências reconhecidas pelo Estado. É o ato permanente de proporcionar a verdadeira cidadania a todos.

A decadência ocidental não consegue mais esconder sua face. Países europeus muito ricos, por exemplo, estão fadados a se tornarem países islâmicos em pouco mais de meio século. Isso porque, enquanto uma família francesa típica tem colocado no mundo apenas um filho, os imigrantes de descendência árabe têm em média três pequeninos franceses por núcleo familiar. Mesmo os Estados Unidos só conseguem manter sua população jovem em crescimento graças aos imigrantes latinos que cruzam a fronteira à procura de melhores oportunidades.

A problemática do mundo atual não é assunto para ser desvendado em uma entrevista, palestra ou algumas linhas de um texto blogueiro. A validade dos estudos feitos pelo sociólogo Domenico De Masi é, em grande parte, reconhecida e procedente. Talvez unindo-se a novas idéias, principalmente de estudiosos dos ditos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, que vivem tais realidades, elas possam ganhar ainda mais respaldo e críticas construtivas. De tal forma poderemos buscar soluções palpáveis que atendam de fato as necessidades por mudanças da nossa realidade.


Sergio Dourado