Estou eu ali num cantinho do estacionamento, fumando um cigarro e aproveitando os minutos finais do meu intervalo. Chega um carro e estaciona na vaga reservada para deficientes. Desce a condutora, uma senhora gorda e bem vestida. Circula o carro – imaginei que estivesse indo abrir a porta para sua acompanhante. Mas no meio do caminho ela volta. Afinal a outra mulher que a acompanhava já havia saído do veículo e andava em sua direção. Andando normalmente. Olhei para uma e para a outra. Seres humanos em perfeito estado físico. Não resisti e falei: “Moça, essa vaga aí é para pessoas com deficiência. Olha ali o aviso.” Apontei para a placa nada discreta. No que ela imediatamente retrucou: “É. Eu vou ali rapidinho...”. “A senhora acha certo isso?”. Ela parou e me olhou com cara de raiva. A outra mulher nem olhou pro meu lado e disse: “Mãe, deixa pra lá que a gente está atrasada, vai ficar dando assunto para qualquer um?”. E se foram.
É isso aí. O carro não era um carrinho qualquer. Era um Honda Civic. Nenhuma das duas parecia ter vindo de classes “menos privilegiadas”, sem acesso à educação e cultura. Se bem que quem vê cara... não vê muito. A questão é que educação cívica falta indiscriminadamente em nosso país. Faz-se o errado reiteradamente. Muitas vezes até mesmo sem que se perceba.
Outro dia voltava para casa num ônibus. Último assento, na janela esquerda. Meio dia mais ou menos. Um calor imenso. Sobe no coletivo uma mulher com aspecto seboso. Roupa de lycra justa, contornando e realçando seu corpo pouco formoso. Colocou suas duas crianças em um banco e foi com uma senhora, que imagino fosse sua mãe, para o último assento, próximo à janela direita. Esparramada e confortável, a mulher saca da bolsa um desses MP10 que se encontra por 100 contos no compredachina.com e tasca um horripilante pagode. No máximo volume. Nada de fones de ouvido. O aparelhinho dos infernos tinha som estereofônico mesmo. E digo que a qualidade sonora era muito boa. O problema era o repertório. Achei um absurdo. E justo naquele dia eu não estava com meu mp3. Pouco tempo depois, incomodado que estava, inclinei-me para a mulher e perguntei se ela não preferia escutar a música com os fones de ouvido, pois o som alto estava incomodando. Até hoje me pergunto onde eu estava com a cabeça. A resposta que tive: “Meu filho, ônibus é um local público. Os incomodados que se retirem.”
É isso aí MESMO. Sem noção total. As pessoas que foram se amontoando no fundão durante o percurso do coletivo estavam incomodadas também. Algumas olhavam de cara feia. Outras apenas observavam demonstrando discreto descontentamento. E a pagodeira fazendo cara de triunfante. Achando ótimo. Mas ninguém mais falou nada. Fui o único. Voz solitária. Meia hora e uns 6 pagodes depois eu finalmente desembarquei. Alívio.
Eu moro em uma cidade assim. Num país assim. Tenho vários outros exemplos e sei que muitos também têm. Mas nem sei o que seria preciso para mudar essa realidade. Viver em sociedade é difícil, mas ninguém parece saber ou compreender o mínimo necessário para uma boa convivência. Às vezes dá uma tristeza. Mas não tem jeito. Eu falo mesmo.
