Para quem mora no Recife a violência tornou-se sinônimo de cotidiano. E não falo apenas da violência física, cruel e sangrenta. falo também da violência moral, sem escrúpulos e que denigre a nossa imagem de pernambucano: cultural, visionário, divertido, festeiro.
Começo apontando a imensa falta de visão de um grupo de políticos e empresários locais que se uniram para
trazer o Fatboy Slim para o Recife, no último dia 1. Primeiramente: área VIP para 4 mil pessoas pode ser tudo, menos um local privilegiado que proporcione conforto para quem tem grana para gastar. E no meu parco conhecimento de espaços VIP, creio que um lugar que receba tal classificação deva, pelo menos, oferecer alguma retribuição ao "vip" fora uma área apertada, sufocante e mal servida.
Além disso, a fome de embaçar outras opções mais divertidas do que um enlatado (e caro) "espaço vip", ou um tumultuado meio de praça gratuito, fez com que a organização (???) do evento, colocasse obstáculos ao longo da beirada da Praça do Marco Zero que dava para o oceano. Isso tudo para que a visão dos espectadores que foram em suas embarcações ficasse comprometida por inúmeras barracas cobertas por altos "chapéus de bruxa". Afinal de contas, quem optou por não pagar os R$ 100,00 do "camarote vip", não há de ter o direito de assistir ao espetáculo, mesmo que de rabeira. E para piorar, vem a cartada final que comprova essa ausência de bom senso dos organizadores do evento. Bloquear a visão do mar não era suficiente: que as potentes caixas de som fiquem totalmente voltadas para a terra e nenhuma para o oceano. Afinal de contas, quem optou por não pagar os R$ 100,00 do "camarote vip", não há de ter direito de escutar o espetáculo em alto em bom som.
Esquece-se apenas do detalhe insistentemente inexplorado da cidade do Recife: somos uma cidade que floresceu em meio a rios deslumbrantes, com um oceano maravilhoso à nossa frente. Obviamente imagino que, caso esse show do Fatboy Slim tivesse acontecido em uma cidade como Sydney ou Veneza, haveria uma digna preocupação com o público que inevitavelmente iria prestigiar o espetáculo da água, em suas embarcações. Mas estamos falando de Recife - cidade ofuscada pela mentalidade pequena, bairrista e tacanha. Bem colocou o colunista Orismar Rodrigues, do Jornal do Commercio, que enalteceu o show à parte que foram as embarcações na frente do Marco Zero e apontou a falta de estrutura do tal camarote de cem reais.
Então chega o Domingo. Dia do tão aguardado e anunciado bloco Balança Rolha. Aquele da baiana Ivete Sangalo. Sim... de Ivete; afinal pouco se deu destaque às atrações pernambucanas que iriam desfilar também. E vem a velha união do pouco investimento com a maximização de lucros. Sempre contando com a aquiescência pacífica do povão, que baixa a cabeça diante da truculência. Porém nesse Domingo fatídico isso não aconteceu. Seguranças de menos, policiamento de menos. Cordão de isolamento baiano num bloco pernambucano em plena Avenida Boa Viagem. "Como é que é mermão?? - Vou esculachar..." E esculacharam. Foi tiro, garrafas e cocos voando, gente passando mal, assaltos,
tapas, murros e muita reclamação da sociedade. Então vem o prefeito dizer que Carnaval em Recife não combina com cordão de isolamento. Grande novidade. Nossa tradição sempre foi a liberdade, o popular e povão mesmo. Nada de capitalismo selvagem no nosso carnaval. A poluição visual dos patrocinadores oficiais já é mais do que suficiente.
Claro que a violência ocorrida não tem justificativa. Violência é imperdoável. Mas que diabo de planejamento foi esse que destacou apenas duzentos e poucos policiais para um evento desse porte, acontecendo na rua? Até algumas partidas de futebol receberam reforço policial maior. E nem a desculpa de que a quantidade de público foi subestimada cola, pois até mesmo um cidadão comum, residente em Boa Viagem, poderia dar uma previsão melhor da quantidade de gente que iria se aglomerar para assistir a SHOWS de graça ao lado da praia mais frequentada do Estado. Linhas êxtras de ônibus foram colocadas, ruas bloqueadas e muitos outros preparativos foram feitos para receber essa aglomeração toda. Apenas a segurança foi esquecida. Isso foi certamente uma receita cozida em panela de pressão. Mas a panela não aguentou. E quem se deu mal, mais uma vez, foi o cidadão de bem que tentou se divertir na paz e os moradores de Boa Viagem que novamente tiveram de reviver as agruras do Carnaval do despreparo e a violência na porta de casa.
E agora? O que esperar do Carnaval propriemente dito?
IMAGEM DO BLOCO BALANÇA ROLHA 2007: