CENTRÍFUGA

3.12.06

15 minutos de poder

Cheguei no hospital para visitar a minha irmã, que tinha feito uma lipoaspiração naquele dia, completamente fora do horário de visitas. O local tem umas regras bem esquisitas, e principalmente chatas, do tipo que atrapalham mais do que ajudam a manter a organização. Eu já previra que ia chegar atrasado e no momento que desci do carro me lembrei das palavras dela ainda cedo, antes do procedimento.

- Eu já estou bastante acostumada com isso, Diego, vá por mim. O tempo que eu dei plantão aqui foi o suficiente pra saber que nenhum porteiro ou segurança vai lhe dizer mais que um "boa noite" se você entrar no hospital vestindo minha bata e com o meu estetoscópio pendurado no pescoço.

O caminho do estacionamento até o quarto onde ela estava era longo e eu confesso que estava um pouco nervoso com a encenação que ia me garantir passe livre para visita-la no pós-operatório. Logo de cara dei com uma médica que estava indo embora e tive um pouco de receio de não ser reconhecido por ela, mas a doutora sequer levantou os olhos quando passou por mim. Respirei fundo e comecei a andar na direção do prédio onde minha irmã estava, um pouco nervoso de início, mas depois da terceira pessoa vestindo bata que cruzou o meu caminho, eu relaxei e aproveitei a minha momentânea posição de poder. A prova final da minha encenação seria entrar na enfermaria sem que o porteiro criasse problemas para mim. Novamente eu recordei das instruções da minha irmã:

- Não olhe para ele com cara de aprovação. Ele não vai lhe perguntar nada. É só passar como se fosse um médico mesmo e pronto.

E não deu outra. O sonolento funcionário já deve mesmo estar de saco cheio de ver tantos doutores e estudantes passar por ele, tanto que sequer o "boa noite" eu ouvi. Quando cheguei ao quarto, Mirtza falou que eu estava ótimo vestido de médico, mas o sorriso estampado no rosto dela era de "eu não disse?".

Até fiquei um pouco mal por não ter prestando tanto atenção nela durante a meia hora que passei lá, mas não conseguia tirar da cabeça o pensamento de que é incrível como uma fantasia (a bata e o esteto) associada ao comportamento apropriado (cara de dono do mundo) dão tanto poder a uma pessoa. Não foi exatamente uma visão crítica, mas sim divertida do fato.

Certas profissões dão esse tipo de regalia para quem as exerce. Medicina é uma delas, mas não é a única. Minha aventura não teria um desfecho diferente se eu estivesse, por exemplo, dirigindo como um louco um daqueles carros com a placa preta que nunca são parados simplesmente pela posição política ou jurídica dos seus donos.

Na hora de ir embora, minha irmã me disse que eu poderia tirar a bata, pois sair era coisa que qualquer um podia fazer, e o máximo que aconteceria era alguém me reconhecer e perguntar porque eu não estava mais vestido de médico. Minha resposta foi taxativa:

- Lógico que não! Entrei assim e é assim que eu vou sair.

Mas pelo sorriso estampado no meu rosto, Mirtza viu que o que eu estava realmente dizendo era "jamais eu deixaria de aproveitar até o fim os 15 minutos de poder que a sua bata está me proporcionando". E sem a mínima cerimônia, abri a porta do quarto e saí, com a melhor cara de dono do mundo que eu consegui fazer.

DIEGO ARCOVERDE é jornalista de Recife/PE.

2 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Esse é o meu irmão!!

O médico que nos separou na maternidade devia ter esse mesmo sentimento de poder, mano. Eu acho que muito disso tem a ver com a fantasia, no sentido literal mesmo. São as profissões que têm uniforme as que mais despertam esse tipo de manifestação de quem foi picado pela mosca azul do poder (se bem que eu sempre achei essa expressão meio doida... mosca não pica, uai!). E eu não tô falando de uniforme.

Mas é lendo textos como os seus que se percebe onde mora o verdadeiro poder. Na cabeça de gente brilhante como meu irmão pernambucano. Me deixa mais orgulhoso a cada dia.

18:09  
Blogger Angolla _\|/_ disse...

CURTI DEMAIS ESSE EPISÓDIO!


Pude até ve-lo andando pelos corredores de bata branca, meio cabreiro mas se garantindo ... e melhor ainda na volta, numas de "tou nem aí, já rolou mesmo!", eheheh

Parabéns pela (saudável) ousadia e gostaria até que esticássemos mais essa questão de como "a roupa faz os homens" ... por mim, esse tópico aqui dá pra puxar legal!


Valendo,
Angolla

22:23  

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